O estudo surgiu a partir do desdobramento da monografia desenvolvida pela produtora e pesquisadora do Distrito Federal (DF), Natália Brandino, como parte da pós-graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual da Estácio Sá, intitulada “A mulher nos filmes nacionais”. Este estudo foi inspirado pelos dados da Agência Nacional do Cinema (ANCINE) que demonstravam uma pequena participação feminina na ficha técnica principal das obras nacionais acesse aqui
Na monografia, foi analisada a representatividade e a representação da mulher nos maiores sucessos de bilheteria de filmes brasileiros no período de 1995 e 2016.
Presença de determinado grupo na ficha técnica e/ou elenco da obra.
Interpretação da presença, participação, profundidade e outros aspectos que permeiam determinado grupo de personagens representado na obra.
A pesquisa foi adaptada para um artigo, que foi selecionado para a Revista Filme Cultura nº63 - Mulheres, câmera e telas, publicado com exclusividade no 1º semestre de 2018.
A revista Filme Cultura tem mais de 50 anos de publicações, sendo um espaço de divulgação, reflexão e debate sobre o cinema e o audiovisual brasileiro, com última publicação em 2018. É uma realização da Secretaria do Audiovisual do extinto Ministério da Cultura, juntamente com o CTAv e a Cinemateca Brasileira.
Para conhecer mais acesse: http://revista.cultura.gov.br
Depois da publicação na Filme Cultura, Natália ingressou no Coletivo Arte Aberta, e juntamente com a sua produtora, Kocria Audiovisual, realizou as análises de representatividade e representação sobre os indicados ao Oscar de 2018, criando o selo #ElasNoOscar, que gerou uma série de análises críticas e um infográfico dos resultados (acesse aqui). Desde então, anualmente o Coletivo Arte Aberta faz análise crítica dos filmes dos Oscar (acesse aqui).
O Coletivo Arte Aberta cria conteúdos sobre gênero no audiovisual. Surgiu em 2015 no DF, composto por Lina Távora, Luciana Rodrigues, Risla Miranda, Rafael Maximiniano, Barbara Alpino e Natália Brandino. Para conhecer mais acesse: https://arteaberta.com/
A Kocria Audiovisual é uma produtora do DF, que desde 2012 trabalha em produções da cidade, e em 2018 se estruturou para desenvolver projetos audiovisuais próprios. Seus sócios são: Walder Jr e Natália Brandino. Para conhecer mais acesse: https://kocria.com.br/
Depois de vários testes e estudos sobre o tema, nasceu a ideia de analisar os filmes do Distrito Federal lançados desde 1995 a 2018.
Para isso, foi escolhida uma equipe multidisciplinar com os membros do Coletivo Arte Aberta e a coordenação da Dra. Amalia R. Perez Nebra. A proposta foi submetida aos editais da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (SECEC-DF) por meio do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC-DF). No final de 2019, o projeto foi contemplado no Edital FAC Audiovisual - n° 16/18 – Pesquisa.
O FAC-DF existe desde 1991 e é o principal instrumento de fomento cultural do DF através de apoio financeiro por meio de editais públicos. Para conhecer mais acesse: http://www.fac.df.gov.br/
No final de 2019, foram mapeados os filmes a serem analisados (confira aqui) e, em seguida, as obras foram solicitadas aos realizadores. A pesquisa foi executada entre 2020 e 2021. Para o alcance do objetivo, foi definida a estratégia de divisão do estudo em três grandes eixos temáticos com diferentes pesquisas, escopos e metodologias:
Foi criado um instrumento de análise da representação dos papéis de gênero, usando medidas de papéis tradicionais de gênero e testes de representação.
Medidas de papéis tradicionais de gênero: Há uma vasta literatura sobre papéis de gênero e sobre como medir atitudes relacionadas a gênero, preconceito, consequências da discriminação de gênero e comportamentos típicos, tradicionais de estereótipos de gênero. Foram utilizados dois inventários: Inventário de papéis de gênero de comportamentos tradicionais e não tradicionais da mulher (Diane R. FOLLINGSTAD; Elizabeth A. ROBINSON, 1985) e Escala de Comportamento Masculino (MBS) de William E. Snell (1989).
Testes de Representação: Testes utilizados para interpretar a presença, a participação e a profundidade de determinado grupo em uma obra. No caso desta pesquisa, adaptamos os testes de representação que avaliam o papel da mulher nas tramas, para análise dos gêneros feminino e masculino. Foram usados os testes Bechdel, Mako Mori e Tauriel.
Teste Bechdel: O mais difundido entre os testes. A origem do teste Bechdel é um diálogo entre personagens de uma tirinha de quadrinhos da série Dykes to Watch Out for, de Alison Bechdel (2008), publicada inicialmente em 1985 e intitulada The Rule. A desenhista utilizou uma ideia de sua amiga Liz Wallace para expressar o porquê de uma das personagens ir pouco ao cinema: a personagem só assistiria a filmes que respondessem afirmativamente a três perguntas: existem ao menos duas mulheres com nome no filme? Elas conversam entre si? Sobre algo que não seja homem? Usando estes critérios, foi elaborado o que se batizou como teste Bechdel, conhecido também como a Escala cinematográfica Mo (nome de uma das personagens da série de quadrinhos), este teste é utilizado para avaliar a presença das mulheres em filmes (BECHDEL TEST, 2020).
Teste Mako Mori: nasce em referência à personagem Mako Mori, do filme Círculo de Fogo (Pacific Rim) (2013), de Guillermo del Toro, reprovado no teste de Bechdel. Dos 56 atores creditados no filme, apenas três mulheres apresentam falas. No filme em questão, a personagem Mako Mori apresenta um arco narrativo que foge do estereótipo: ela é uma mulher, asiática, protagonista, heroína, não hipersexualizada, contida, que possui o sua própria história. Para a aprovação no Mako Mori, é preciso que o filme tenha pelo menos uma personagem feminina, com arco narrativo e que esse arco não seja apoiado em um homem - ou seja, mulheres que possuem a própria narrativa de forma independente (Tim POSADA, 2019).
Teste Tauriel: Seu nome foi homenagem à elfa presente na trilogia cinematográfica de O Hobbit, que, na análise da idealizadora do teste, é uma guerreira tão competente quanto os personagens masculinos (Carolina A. MAGALDI; Carla S. MACHADO, 2016). O teste consiste em responder apenas duas perguntas: existe uma mulher na obra audiovisual? Ela é boa no seu trabalho? Vale ressaltar que ser boa refere-se no sentido de competência (Arne CHYS, 2019). Na adaptação do teste (CHARACTER AND WRITING HELP, 2014) foi acrescida uma terceira pergunta dependente de resposta positiva à segunda: a personagem abandona o seu trabalho por causa de um interesse romântico, explícito ou implícito? Este teste é utilizado para avaliar a competência.
Foi criado um instrumento de análise da representação da violência como linguagem. O instrumento foi construído utilizando o teste de representação Barnett.
Violência como linguagem: Termo criado a partir deste estudo para descrever a violência utilizada como forma de linguagem. Ela é composta por três dimensões:
1) o desengajamento moral
2) a violência como forma de resolução de conflitos e,
3) as performatividades da heteronormatividade e da masculinidade.
Desengajamento moral: O desengajamento moral está relacionado com a aprovação ou reprovação das cenas de violência em filmes - por aqueles que provocam, recebem ou presenciam essas ações -, com a utilização de recursos narrativos que tiram a responsabilidade do agressor e/ou culpam a vítima (BANDURA; BARBARANELLI; CAPRARA; PASTORELLI, 1996).
Violência como forma de resolução de conflitos: A violência também pode ser usada como estratégia de ação para resolver conflitos interpessoais. Esta dimensão foi construída com três itens (se a violência foi usada como resolução do conflito, se o conflito foi resolvido e se ela marca o arco dramático de algum personagem), mas um deles (arco dramático) não apareceu nos resultados como relacionado à violência nos filmes.
Performatividades da heteronormatividade e da masculinidade: A naturalização das relações de poder e dos papéis de gênero, a partir de formas heteronormativas e masculinas para se encaixar no que é esperado de seu gênero.
Teste Barnett:Inspirado no Bechdel, tem como intuito analisar a relação entre o estereótipo do gênero masculino e a prática da violência, com a análise de duas perguntas:
1) O filme possui pelo menos duas mulheres e dois homens, conversando entre si, e o assunto do diálogo entre as pessoas de mesmo gênero vai além de falar sobre o sexo oposto?
2) Se há alguma violência, ela é retratada com humor ou falta de seriedade; ou como normal ou aceitável; ou ainda como se alguém merecesse a violência? (GENDER EQUALITY, 2021).
Análise de representatividade na equipe técnica e no elenco principal e de representação pela ótica de gênero, raça e LGBTQIA+ a partir das personagens principais do filme, pelo ponto de vista de suas ações e narrativa da história.
Equipe técnica e elenco principal: Equipe técnica principal em relação à classificação de gênero e raça (IBGE): direção, roteiro, produção executiva, direção de fotografia e direção de arte (ANCINE, 2015-2018).
Elenco principal como sendo aquelas pessoas colocadas em destaque nos créditos iniciais ou finais de cada obra.
Foi criado um instrumento de análise da representação dos papéis de gênero. Usando medidas de papéis tradicionais de gênero e testes de representação.
O instrumento criado foi testado e aprovado. As medidas de papéis de gênero e os testes de representação funcionam em conjunto, como uma análise complementar e mais complexa sobre a representação de gênero em obras cinematográficas. Quer testar em outros filmes? Baixe aqui.
Foi criado um instrumento de análise da representação da violência como linguagem.
O instrumento foi construído utilizando o teste de representação Barnett.
Análise de representatividade na equipe técnica e no elenco principal e de representação pela ótica de gênero, raça e LGBTQIA+ a partir das personagens principais do filme, pelo ponto de vista de suas ações e narrativa da história.
Homens são mais representados. Estereótipos de gênero estão presentes em diferentes níveis, em relação às atividades profissionais e em relação ao arco dramático.
Violência como linguagem apresenta estereótipos vinculados ao gênero e à raça em diferentes níveis.
Quando se trata de homens cis com padrão heteronormativo, a violência tende a ser validada.
Mais participação feminina corresponde a menos violência.
Mulheres trans são mais responsabilizadas quando cometem a violência.
Mulheres cis são as que mais sofrem com a violência heteronormativa.
Indígenas são retratados como mais violentos, seus atos violentos costumam ser mais justificados, e a violência em torno deles tem grau mais severo.
Pretos são mais responsabilizados.
Pardos são os que cometem violência mais branda.
As fichas técnicas e elencos principais são em sua maioria compostas por homens brancos.
O protagonismo masculino branco é o mais frequente nas obras.
Chama atenção a representação de mulheres vinculada à sexualização e/ou violência.
A grande maioria das obras não apresenta representação LGBTQIA+.
Ampliar o investimento em políticas públicas de pesquisa sobre o audiovisual
Trazer novas perspectivas interseccionais e de diversidade
Aplicar o estudo em mais obras do DF e de outros estados do Brasil;
Incentivar políticas públicas vinculadas à ampliação da diversidade nas telas e por trás delas.